O fim da linha… em junho?
Em julho de 2024, através do Despacho n.º 8368/2024, o Governo decidiu fixar, de uma assentada, o calendário escolar para quatro anos letivos, até 2027/2028. À época, justificou-se a decisão com a necessidade de “estabilidade”, depois de alcançado um entendimento com as estruturas sindicais dos professores para a devolução faseada do tempo de serviço. A tutela optou também por não alterar o despacho de organização do ano letivo, reafirmando essa intenção numa comunicação pública em junho de 2024 (SIC Notícias e SPGL). Agora, em 2025, com a tomada de posse de um novo governo — que é, na prática, uma continuidade — reina o silêncio. Nada foi ainda dito sobre eventuais alterações. Será este mutismo sinal de serenidade ou prenúncio de mais um ciclo de indiferença política?
Calendário fechado até 2028: visão ou cegueira política?
Num país onde tudo muda ao sabor do vento — ou das eleições — decidir, em 2024, o calendário escolar até 2028 parece um exercício de fé cega na estabilidade. Estabilidade? Ou rigidez? Ademais, congelar decisões a quatro anos de distância num sistema tão mutável é negar espaço à avaliação, ao bom senso e à realidade de quem vive a escola todos os dias. As escolas são organismos vivos, não fábricas de peças repetidas.
1.º Ciclo: mais horas, mais calor, mais cansaço
Terminar o ano letivo a 30 de junho, com 25 horas semanais de aulas, é uma tortura disfarçada de normalidade. As crianças do 1.º Ciclo chegam a essa data em frangalhos. Exaustas. Entediadas. Na esmagadora maioria das escolas, não há ar condicionado, sombra suficiente ou espaços de qualidade. Há, sim, salas abafadas, calor, desmotivação e um prolongamento de dias sem sentido pedagógico.
Crianças cansadas não aprendem. Professores esgotados mantêm-se de pé. À custa de quê?
Junho transforma-se num mês de sobrevivência. De faz-de-conta. O cansaço compromete as aprendizagens, a motivação desvanece-se, e a indisciplina aumenta. A Escola, em vez de formar, entretém. Se puder. O desgaste, esse, atinge os professores de forma brutal. Recorde-se: estamos perante uma classe de desgaste rápido — físico, emocional e mental. E o silêncio da tutela sobre isto continua a ser ensurdecedor.
Escola pública: instituição de ensino ou parque de estacionamento infantil?
Assistimos, desde o início deste século, a um desvio da função educativa da Escola. Os calendários e as cargas horárias parecem responder mais a lógicas assistencialistas do que pedagógicas. Em vez de qualificar a Escola Pública, adaptá-la verdadeiramente ao século XXI, dar-lhe meios e flexibilidade, opta-se por torná-la um repositório de crianças para que os pais possam trabalhar descansados. À custa de quê? Da saúde e bem-estar dos miúdos e dos profissionais da educação.
É tempo de inverter a lógica
Para o ano letivo 2025/2026, urgiria ter o bom senso de repensar. Reduzir a carga letiva no 1.º Ciclo para 22 horas semanais. Terminar o ano letivo a 15 de junho. Garantir, por meio de protocolos com a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), que junho seja um mês de atividades diferenciadas, integradoras, leves e estimulantes — e não prolongamento de um calendário exaustivo. E, acima de tudo, desburocratizar a vida docente. A Escola precisa de mais tempo para pensar, refletir, construir. E menos para preencher grelhas e relatórios inúteis.
A continuidade no governo não pode ser sinónimo de imobilismo
Se nada muda, o futuro repete os erros do passado. A estabilidade só é virtude quando não se confunde com estagnação. E é isso que, até agora, parece que se anuncia: um tranquilo e burocrático desinteresse pelo que verdadeiramente importa.
Porque quem vive a Escola merece mais. Muito mais.
Servido no Banquete do José Manuel Alho